sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Crónica Diária - Rádio Altitude

Continuando a reposição, a crónica em 14 de Dezembro foi: 

"Temos vivido, ao longo deste ano, a ouvir falar de uma crise mais grave que as outras que temos vivido. Uma crise que começou nos países periféricos, passou a afectar toda a Europa e ameaça actualmente quase todo o mundo; não só o mundo ocidental, democrático e capitalista, mas também aqueles países que, apesar de ideologicamente marginais, acabaram por de alguma forma ter de se adaptar à pulsão capitalista que hoje é omnipresente. Uma crise quase bíblica, porque para além das suas proporções globais, nos vem castigar pelos nossos pecados de consumidores descontrolados. E uma crise bíblica que, sendo um castigo que merecemos, é a desculpa perfeita para os cortes de direitos e aumentos de impostos a que temos assistido. E que nos têm sido impostos como as únicas soluções possíveis no momento para sairmos da crise. Só que, olhando para o que se passa um pouco por todo o mundo, não podemos deixar de estranhar que países com hábitos e sistemas tão diferentes como Portugal, Irlanda, Argentina ou Paquistão estejam hoje entre os que têm maior risco de incumprimento internacional Creio, portanto, que os cortes salariais e de direitos, bem como os sucessivos aumentos de impostos – a tal solução única – resultam apenas de falta de capacidade para encontrar as soluções realmente estruturais para as nossas fragilidades enquanto economia aberta. Uma falta de capacidade que não é exclusiva deste Governo, obviamente, mas que nele tem continuação. E que assenta em 3 grandes mitos, que se vão repetindo de boca em boca, como aquelas mentiras que tanto serem repetidas acabam por se tornar verdades… O 1º mito é o de que vivemos acima das nossas possibilidades; e é falso, na medida em que é o Estado, principalmente pela via do desperdício, quem mais destrói valor no nosso país, em negócios ruinosos como os estádios do Euro ou as SCUT; não discuto obviamente a utilidade dos equipamentos, mas antes a forma de financiamento encontrada, que deixa o Estado à mercê de uma série de predadores que à boca grande enaltecem as virtudes do sector privado e à boca pequena vivem pendurados em negócios com o Estado. Com a carga de impostos que os portugueses já pagavam antes dos recentes agravamentos dever-se-ia ter gasto mais criteriosamente e, agora que chegou a factura, são os do costume que vão ter de a pagar… O 2º mito é o da falta de produtividade dos trabalhadores; outra incoerência, na medida em que sabemos que a diáspora portuguesa é reconhecida pela sua capacidade de trabalho nas comunidades onde está inserida; e que as multinacionais que se instalam em Portugal não reconhecem qualquer fraqueza à nossa mão-de-obra, quando comparada com a de países economicamente mais fortes que nós, nomeadamente Alemanha e França. Por quê? Por que o que trazem para Portugal são métodos de planeamento e execução de tarefas que os trabalhadores aplicam com o mesmo empenho e profissionalismo que os seus congéneres dos países que citei. O que falha é pois a cultura empresarial, que se permite o esbanjamento de recursos com base nos baixos salários praticados em Portugal; e tem falhado também o estímulo a maior eficiência nas organizações. Assistimos por outro lado a enormes fossos na retribuição de patrões e empregados, não se separando rendimentos do trabalho de rendimentos de capital, misturando-os muitas vezes como se a caixa da empresa fosse a carteira do empresário… Por fim, o mito de que os funcionários públicos vivem rodeados de privilégios. E aqui, metem-se no mesmo saco todos aqueles que, directa ou indirectamente trabalham para o Estado. Que, sendo muitos, têm situações muito distintas… Algumas que deviam até envergonhar quer governantes quer as chefias que delas se servem para manter o seu poderzinho. É certo que o estado já foi um empregador aliciante. Hoje, só o será em alguns – poucos – sectores ou regiões do país, como é o caso da Guarda, onde o aparelho produtivo é ainda escasso. Mas desenganem-se aqueles que pensam que hoje um emprego no sector público é garantidamente bom. Além de desmotivante por estar sempre na linha da frente dos cortes de direitos, começa a carregar um anátema que desmobiliza os melhores e mais empenhados. E um Estado sem trabalhadores de qualidade é um Estado que cada vez gastará mais para produzir menos, num ciclo a que é difícil escapar… E que redundará em novas crises no futuro."

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