terça-feira, 26 de junho de 2012

Crónica Diária - Rádio Altitude

A crónica de 2 de Maio:


"Celebrou-se ontem mais um dia do trabalhador. A acreditar nos inquéritos das estações de televisão – que de inquérito, na verdadeira aceção do termo pouco têm – este é um feriado que cada vez tem menos significado para os portugueses. A minha geração, que atualmente representa uma parte muito significativa da força de trabalho disponível no país, entrou no mercado de trabalho quando praticamente tudo estava feito. O descanso semanal, 22 ou mais dias de férias pagas, feriados, pagamentos por horas extraordinárias, horários de trabalho legalmente limitados ou subsídios de férias e de natal são exemplos de benefícios que encontrámos e que julgámos estarem sempre assegurados. Apesar de já não sermos da geração que encarava o emprego como algo definitivo, “para a vida”, como se dizia há muitos anos atrás, achávamos que essa incerteza podia ser contornada, uma vez que vivemos um longo período de crescimento económico e em que havia trabalho para quase todos. Mas um dia percebemos que as coisas não são exatamente assim. E que os benefícios, que alguns conquistaram com longas lutas, manifestações, greves e muita diplomacia afinal poderão não estar assegurados no futuro. Das teorias clássicas da economia, capital e trabalho eram os 2 fatores de produção indispensáveis à produção de riqueza e os motores das lutas de classes que se travaram desde sempre. O Capital – fosse ele a terra, matérias primas ou, mais recentemente, o dinheiro – teve sempre a primazia sobre o trabalho porque estava concentrado nas mão de muito poucos; o trabalho, por outro lado, estava muito disperso, assim dispersando o poder que dele poderia advir. E esse poder só foi concentrado por forma a poder tratar de igual para igual o poder que advinha da posse do capital por ação de gente que lutou para mobilizar os trabalhadores; de gente que se dedicou ao sindicalismo, abdicando muitas vezes do conforto da indiferença e da sua própria segurança pessoal para lutar por uma causa de muitos. Assim foram feitas as grandes conquistas em matéria de proteção dos trabalhadores. Basta recordarmos que há pouco mais de 50 anos férias, descanso no fim de semana ou horários de trabalho eram conceitos ignorados pela maior parte dos trabalhadores. Depois de um período em que todos gozámos os frutos dessas conquistas, vem outro em que tudo é posto em causa. E os sinais que vamos recebendo são preocupantes: o fator trabalho tem sido – pelo menos no nosso país- fortemente desvalorizado, em detrimento do fator capital. E isto ocorre numa época em que todos estamos adormecidos pelo doce perfume dos privilégios que sempre conhecemos. Veja, a título de exemplo, que o Estado cortou os pagamentos pelo trabalho aos seus trabalhadores, mas não cortou os pagamentos por capital aos seus financiadores. Ou seja, mais uma vez a história repete-se: o capital encontra-se concentrado nas mãos de poucos e tem o rosto mais oculto do que nunca, com os grandes fundos globais de investimento a serem o rosto invisível de um poder que tudo pretende submeter à lógica da rentabilidade. E o trabalho está de novo disperso, porque as pessoas afastaram-se das organizações que tradicionalmente os representavam nesta luta – os sindicatos, com grande culpa destes, que não tiveram a capacidade de se adaptar às novas realidades dos tempos que vivemos. Porque o facto de a história se repetir não quer dizer que tal ocorra em contextos exatamente iguais, e os sindicatos não tiveram a lucidez de perceber as diferenças e de se recolocarem no tabuleiro de jogo por forma a tirar partido das novas condições. Exemplos disso mesmo foram as comemorações promovidas para este dia: fórmulas repetidas anos a fio, com a previsibilidade e a rotina a liquidar à partida qualquer hipótese de fazer chegar aos destinatários uma mensagem mobilizadora. Espero que o dia que ontem se celebrou possa ter feito alguns refletir sobre o caminho que as coisas estão a levar. Alguns que possam servir de inspiração para mobilizar aqueles a quem a revolta começa a incomodar seriamente para uma tomada de posição clara face à situação que se vive. Para, quem sabe, novas formas de encarar a defesa do trabalho face às agressões do capital…"

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