quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Crónica Diária - Rádio Altitude

No dia 24 de Novembro, a minha crónica:

Na ressaca de mais uma grande realização nacional, dessas que é suposto encherem-nos de orgulho por levarem o nome de Portugal mais longe e demonstrarem aquilo de que somos capazes, cabe aqui deixar algumas reflexões sobre o mundo em que vivemos, e que ajudamos a construir.

Não perdendo de vista que estiveram em Lisboa, durante os 2 dias em que decorreu a recente Cimeira da Nato, os líderes de alguns dos maiores países (leia-se economicamente mais influentes) do mundo ocidental, não posso deixar de lamentar as restrições às liberdades individuais impostas pelos dispositivos de segurança criados para o evento. Que originaram, por exemplo, o fecho das fronteiras – algo que considerávamos parte de um passado já distante, pois que os cerca de 18 anos que decorreram desde que Portugal assinou a Convenção de Schengen nos permitiram habituar-nos a viver sem fronteiras físicas. Assim, voltámos a ter, por estes dias, notícias dos controlos de entrada no país e, nalguns casos, da recusa de autorização dessa entrada. Em casos de indocumentados ou pessoas que estão no espaço comum de Schengen ilegalmente; mas também, e era aqui que queria chegar, de pessoas que vinham a Portugal para se manifestar contra a cimeira, contra a própria NATO, aquilo que ela representa e os seus líderes. Não foi dito que eram perigosos; que colocavam problemas à segurança interna; ou sequer que lhes eram conhecidas ligações a grupos com historial de violência ou similares. Foi apenas dito, justificada a recusa em deixá-los entrar, que traziam umas t-shirts e umas tarjas e que portanto vinham manifestar-se. Cabe-nos pois reflectir sobre a capacidade que hoje os líderes têm em lidar com a crítica daqueles a quem as suas decisões tantas vezes alteram o rumo da vida. Daqueles que devem ser beneficiários de políticas que muitas vezes mais não fazem do que limitar-lhes a sua liberdade individual. A sua liberdade de expressar discordância com o modelo de pensamento que lhes é imposto.

Daqui resulta que o tal evento que é supostos dar-nos notoriedade aos olhos do mundo, promovendo a nossa capacidade de realização, é ele próprio realizado à custa da supressão de valores tão elementares como a liberdade de expressão, de manifestação da nossa discordância. Não de forma clara, mas a coberto de “razões de segurança interna” e outras expressões similares, cujo único objectivo é dar uma cobertura respeitável a um acto unanimemente considerado reprovável. E justificar despesas que dificilmente terão uma explicação racional, como a recente aquisição dos famosos blindados para a PSP cuja anunciada indispensabilidade ficou bem provada com a chegada da encomenda depois de terminada a cimeira.

Gente que não lida bem com a crítica, com a contestação às suas decisões, não se sente obviamente obrigada a responder por elas, ainda que essas decisões influam tantas vezes de forma decisiva nas vidas de milhares, ou milhões, de pessoas.

A segurança não pode pois dar desculpa a tudo. Portugal é, sob muitos pontos de vista, um país moderno, com capacidade de realização que nada fica a dever a outros tantos países do mundo desenvolvido. Fazemos bem em evidenciar essa capacidade como forma de nos promovermos no mundo. Promover-nos é multiplicarmos as nossas hipóteses de ver os frutos do nosso trabalho, num mercado sem fronteiras como o que vem sendo construído. Mas devemos ser mais exigentes com a imagem de respeito das liberdades individuais que projectamos. E desta vez, parece-me que a imagem poderia ter sido melhor.

Tudo aquilo que mencionei, sobre a capacidade daqueles que têm o poder lidarem com a crítica, foi numa óptica nacional. Mas pode perfeitamente aplicar-se à escala regional. Pois também por cá existem aqueles que gostam de aparecer, quando há festa na aldeia, mas na hora de serem confrontados com a crítica, exercem o seu poderzinho por forma a intimidar, a calar aquele que ousa confrontá-los com os esqueletos no armário. É preciso portanto não deixar que esta forma de actuação vingue, permitir àqueles que querem opinar o direito de o fazerem, independentemente da razão que lhes possa assistir. Como alguém dizia na semana passada aqui aos microfones da rádio, “ninguém deve trabalhar na cozinha, se não tiver resistência ao calor…”

1 comentário:

Anónimo disse...

Muita razão!