sexta-feira, 27 de abril de 2012

Análises

Ontem, na Guarda, realizou-se uma manifestação dos trabalhadores dos laboratórios de análises clínicas privados contra a decisão da ULS da Guarda de centralizar no seu laboratório as análises prescritas aos doentes que lá são atendidos.
Sucede que a administração da ULS decidiu, ainda no ano passado, que passaria a centralizar o mais possível as análises nos seus laboratórios (Guarda e Seia) e a recorrer o menos possível ao pagamento desses serviços prestados por entidades externas convencionadas no âmbito do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Passando inclusive as requisições a serem feitas com recurso aos sistemas informáticos que ligam as unidades de prestação de cuidados de saúde.
Por princípio, logo na altura que a medida foi anunciada, a decisão pareceu-me correta. Não faz sentido pagar a alguém de fora a realização de um trabalho que tenho capacidade para realizar dentro de casa. Ainda mais numa época de austeridade como a que atravessamos. Porém, também me pareceu que a medida foi demasiado "repentina": se aqueles privados asseguraram durante tantos anos a realização dos exames necessários aos diagnósticos e tratamentos de doentes, não acho moralmente correto prescindir dos seus serviços de um momento para o outro; podia, achava eu, procurar-se uma solução mais equilibrada que salvaguardasse o mais possível ambas as partes, sem perder de vista a necessária contenção de custos. Mas por outro lado, este é ainda um setor com muita proteção: os tais laboratórios convencionados - aqueles que podem prestar o serviço ao SNS - não são muitos, além de que há alguns anos que não são feitas novas convenções com privados, o que faz com que aqueles que existem sejam transacionados a preços altamente especulativos, distorcendo um mercado que está longe de funcionar de acordo com as regras da concorrência perfeita.
Certo é que a medida avançou, mesmo apesar de medidas cautelares pedidas junto das instituições da justiça.
Mas ontem, na manifestação, ouvi algo que me deixou perplexo: dizia o representante dos trabalhadores que estavam em causa a sobrevivência de cerca de 10 empresas e os empregos de cerca de 100 pessoas!
A ULS nunca divulgou quanto pouparia (ou poupa, uma vez que a medida está em vigor há alguns meses) com esta nova forma de atuação. Mas sei que no Laboratório da ULS trabalham menos de 40 pessoas, e que estas asseguram o funcionamento do serviços 24 horas por dias 365 dias por ano. E que o acréscimo de trabalho que as novas regras representaram não é expressivo ao ponto de terem de ter contratado mais pessoas, alargado instalações, ou obrigasse a qualquer reorganização radical dos serviços.
Tendo em vista que o Hospital não pode prescindir, sob qualquer forma, do seu laboratório, sou levado a crer que efetivamente os pagamentos que o Estado, por via da ULS fazia aos privados deviam ser avultados, para permitir a manutenção de estruturas tão grandes! E perante isto, pergunto-me se noutros setores em que há prestação de serviços aos Hospitais por entidades privadas (p.ex. na imagiologia) não se passará o mesmo...
Se assim fôr, espero que haja igual coragem em cortar com práticas do passado, de criar "mercados protegidos" à sombra dos quais vivem empresas que vão sugando os poucos recursos de que o SNS ainda dispõe.
É matéria em que é difícil avançar, tal a teia de cumplicidades que existe entre trabalhadores dos setores público e privado; mas é sem dúvida um caminho que, mais cedo ou mais tarde, terá de ser trilhado.

2 comentários:

Anónimo disse...

Sr. Rui Ribeiro, sabe que o custo médio das análises feitas no Hospital da Guarda, é muito mais caro (provavelmemte cerca do dobro) do que os preços médios por análise pagos pelo SNS aos convencionados? Sabe que com a recente diminuição dos preços da tabela dos convencionados essa diferença ficou ainda maior tornando ruinosa para o Estado a internalização decidida pela ULS da Guarda, sai muito mais barato (cerca de 50%) aos contribuintes fazer análises clínicas nos Laboratórios Privados do que no hospital. Sabe que ULS da Guarda não faz Domicílios, o que acontece a estas pessoas se os laboratórios fecharem portas? estará a ULS disposta a criar uma rede que substitua os Laboratórios Privados? Sabe quanto tudo isto iria custar? Sabe que o hospital demora 20 dias a dar resultados, que os privados dão em 24 horas? Sabe que isto já está a custar vidas humanas? Sabe que estas decisões vão levar ao encerramento dos Laboratórios, despedimento dos seus funcionários, ao pagamento se subsídios de desemprego etc,etc,tudo à custa dos contribuintes e portanto não existe poupança em lado nenhum?! Sabe que a lei de bases da saúde consagra a Liberdade de Escolha dos Utentes?

Rui Ribeiro disse...

Começo por agradecer o seu contributo. Obviamente não estou na posse de toda a informação, como de resto referi no meu post.
Não percebo como podem ser mais caras as análises feitas no Laboratório com metade das pessoas. Se são feitas com o mesmo pessoal que já existia (e que provavelmente é necessário para assegurar o funcionamento do Laboratório em permanência), com o mesmo equipamento, etc., gostava de perceber como podem ser mais caras, tanto mais que referi que a própria ULS ainda não disse se a medida trouxe ou não poupança.
A questão dos domicílios é bastante pertinente; e deveria ser daqueles casos em que a busca de uma situação equilibrada se deveria sobrepôr à ótica da redução do custo pura e simples.
Quanto à demora dos resultados, é falso que estes demorem 20 dias. Tal pode acontecer quando existe rutura no stock de reagentes - o que deveria ser alvo de inquéritos ao serviço. Mas estou em condições de asegurar que não é a regra.
Quanto às vidas humanas, a ser verdade o que diz, esses casos deveriam ser alvo de queixa por quem tem dados para sustentar essa afirmação, dada a sua gravidade.
Quanto ao encerramento de laboratórios, apesar de lamentável, decorre da situação aflitiva que o país atravessa, nesse como em tantos outros setores. Admito que alguns tenham de fechar (espero que nao ou, pelo menos, que sejam uma pequena minoria) mas isso decorre da situação do mercado, que ainda assim é um mercado protegido.
As suas afirmações finais carecem de dados; porque ninguém sabe ainda quantos laboratórios fecharão - se é que fecha algum, quanto custam esses despedimentos ao erário público e que poupança foi gerada com a medida da ULS para podermos comparar valores.
Mas sublinho que acho que algumas das reinvindicações que levaram à manifestação são inteiramente justas e que simpatizo com a posição dos trabalhadores na defesa dos seus postos de trabalho.