Continuando a reposição, a crónica em 14 de Dezembro foi:
"Temos vivido, ao longo deste ano, a ouvir falar de uma crise mais grave que as outras que temos
vivido. Uma crise que começou nos países periféricos, passou a afectar toda a
Europa e ameaça actualmente quase todo o mundo; não só o mundo ocidental,
democrático e capitalista, mas também aqueles países que, apesar de
ideologicamente marginais, acabaram por de alguma forma ter de se adaptar à
pulsão capitalista que hoje é omnipresente.
Uma crise quase
bíblica, porque para além das suas proporções globais, nos vem castigar pelos
nossos pecados de consumidores descontrolados. E uma crise bíblica que, sendo
um castigo que merecemos, é a desculpa perfeita para os cortes de direitos e
aumentos de impostos a que temos assistido. E que nos têm sido impostos como as
únicas soluções possíveis no momento para sairmos da crise.
Só que, olhando
para o que se passa um pouco por todo o mundo, não podemos deixar de estranhar
que países com hábitos e sistemas tão diferentes como Portugal, Irlanda, Argentina
ou Paquistão estejam hoje entre os que têm maior risco de incumprimento
internacional
Creio, portanto,
que os cortes salariais e de direitos, bem como os sucessivos aumentos de
impostos – a tal solução única – resultam apenas de falta de capacidade para
encontrar as soluções realmente estruturais para as nossas fragilidades
enquanto economia aberta. Uma falta de capacidade que não é exclusiva deste
Governo, obviamente, mas que nele tem continuação. E que assenta em 3 grandes
mitos, que se vão repetindo de boca em boca, como aquelas mentiras que tanto
serem repetidas acabam por se tornar verdades…
O 1º mito é o de
que vivemos acima das nossas possibilidades; e é falso, na medida em que é o
Estado, principalmente pela via do desperdício, quem mais destrói valor no
nosso país, em negócios ruinosos como os estádios do Euro ou as SCUT; não
discuto obviamente a utilidade dos equipamentos, mas antes a forma de
financiamento encontrada, que deixa o Estado à mercê de uma série de predadores
que à boca grande enaltecem as virtudes do sector privado e à boca pequena
vivem pendurados em negócios com o Estado. Com a carga de impostos que os
portugueses já pagavam antes dos recentes agravamentos dever-se-ia ter gasto
mais criteriosamente e, agora que chegou a factura, são os do costume que vão
ter de a pagar…
O 2º mito é o da
falta de produtividade dos trabalhadores; outra incoerência, na medida em que
sabemos que a diáspora portuguesa é reconhecida pela sua capacidade de trabalho
nas comunidades onde está inserida; e que as multinacionais que se instalam em
Portugal não reconhecem qualquer fraqueza à nossa mão-de-obra, quando comparada
com a de países economicamente mais fortes que nós, nomeadamente Alemanha e
França. Por quê? Por que o que trazem para Portugal são métodos de planeamento
e execução de tarefas que os trabalhadores aplicam com o mesmo empenho e
profissionalismo que os seus congéneres dos países que citei. O que falha é
pois a cultura empresarial, que se permite o esbanjamento de recursos com base
nos baixos salários praticados em Portugal; e tem falhado também o estímulo a
maior eficiência nas organizações. Assistimos por outro lado a enormes fossos
na retribuição de patrões e empregados, não se separando rendimentos do
trabalho de rendimentos de capital, misturando-os muitas vezes como se a caixa
da empresa fosse a carteira do empresário…
Por fim, o mito
de que os funcionários públicos vivem rodeados de privilégios. E aqui, metem-se
no mesmo saco todos aqueles que, directa ou indirectamente trabalham para o
Estado. Que, sendo muitos, têm situações muito distintas… Algumas que deviam
até envergonhar quer governantes quer as chefias que delas se servem para
manter o seu poderzinho. É certo que o estado já foi um empregador aliciante.
Hoje, só o será em alguns – poucos – sectores ou regiões do país, como é o caso
da Guarda, onde o aparelho produtivo é ainda escasso.
Mas
desenganem-se aqueles que pensam que hoje um emprego no sector público é
garantidamente bom. Além de desmotivante por estar sempre na linha da frente
dos cortes de direitos, começa a carregar um anátema que desmobiliza os
melhores e mais empenhados.
E um Estado sem
trabalhadores de qualidade é um Estado que cada vez gastará mais para produzir
menos, num ciclo a que é difícil escapar… E que redundará em novas crises no
futuro."
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