"Nos próximos
dias, muitos de nós realizarão uma fantasia: viajar no tempo! Com a introdução
de portagens nas auto-estradas A23 e A25 e com a redução do rendimento
disponível das famílias que tem marcado a actuação do actual Governo, pela via
da nacionalização de uma parte crescente dos rendimentos do trabalho, muitos de
nós passaremos a deslocar-nos de forma idêntica àquela em que o fazíamos há
cerca de 30 anos: por estradas nacionais, passando pelo centro de todas as
pequenas localidades e a velocidades médias incompatíveis com as necessidades
actuais. Tudo isto contribuirá, na minha opinião, para o afastamento do
interior das regiões mais desenvolvidas, quer em termos de condições de vida,
quer de ambiente propício para negócios, quer mesmo no sentido físico do termo.
Por isso, fiquei um pouco perdido ao ter tomado conhecimento do apelo do Sr. Presidente da
República para a criação de incentivos à fixação de populações nas zonas
rurais, no mesmo dia em que promulgou o Decreto-Lei que determina a introdução de
portagens nas auto-estradas do interior. Mesmo estando já habituados a estes
anacronismos de Cavaco Silva, fico sem perceber se são acidentais ou
propositados. Apesar de o
Presidente da República dispor dos meios para ter uma palavra a dizer em
questões como esta – nomeadamente o veto político – optou por não o usar neste
caso concreto. De resto, numa atitude mais do que previsível, como as restantes
que têm marcado o seu mandato. E mostrando que, com Cavaco Silva, a Presidência
da República se fica por um verbo de encher, com um actor que fala, fala, mas
ninguém o vê a fazer nada!
Esta medida em
particular será o maior e mais irresponsável ataque do poder central ao
interior menos desenvolvido de um Portugal que será cada vez mais assimétrico,
perante o olhar complacente mesmo daqueles que elegemos para representar os
nossos interesses. A austeridade será pois, de igual forma, assimétrica, por
atingir cegamente regiões com índices de poder de compra muito distintos. E
esta cegueira conduzirá, em minha opinião, a uma situação pior que a que
vivemos hoje, porque não serão feitas algumas correcções que se impõem. Isso
mesmo avisou Joseph Stiglitz na semana passada ao povo espanhol, numa
conferência em La Coruña. O nobel e ex administrador do Banco Mundial, referindo-se
às políticas de austeridade que instituições internacionais como a União
Europeia e o FMI têm imposto àqueles a quem prestam auxílio, disse claramente
que a austeridade é a receita para o suicídio. Que sem estímulos ao
investimento e à criação de emprego, pela via da fiscalidade, e ajustamentos à
despesa, as recessões demorarão muitos anos a ser ultrapassadas, massacrando os
povos a ela sujeitos.
Sabendo que em
qualquer situação, os estímulos ao investimento e à criação de emprego têm
conduzido a situaçoes favoráveis do ponto de vista do dinamismo das economias –
veja-se o exemplo das economias dos países do Norte da Europa, que o souberam
fazer melhor do que ninguém pela flexibilidade que a sua escala lhes permite –
essa deveria também ser uma receita aplicada entre nós.
Alguns membros
do Governo têm ainda um capital de credibilidade bastante elevado, entre os
quais o Ministro das Finanças. Por isso, tenho alguma esperança que este possa
vir a ser um caminho que iniciemos, apesar de os sinais de que dispomos até
agora nos indicarem o contrário
De qualquer das
formas, alguns de nós continuarão teimosamente a viver no interior, a tentar
pelos meios ao seu alcance que as desigualdades se atenuem. Uns porque gostam
da sua terra, outros porque gostam da vida que lhes é proporcionada.
Por tudo isto,
nós que vivemos no interior, esperávamos mais dos nossos políticos; que pelo
menos percebessem que um interior mais competitivo contribuirá para um país
mais forte economicamente. E que um interior por eles afastado, afastar-se-á
também na direcção oposta, tal como já fez anteriormente em contextos de grande
dificuldade. Lembram-se dos contrabandistas…?"
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