sexta-feira, 27 de abril de 2012

Crónica Diária - Rádio Altitude

A crónica em 7 de Fevereiro na Altitude:


"Austeridade! Palavra que recentemente passámos a usar como desculpa para aquilo que há 3 ou 4 anos seria absolutamente impensável. Tem origem no latim austeritāte e significa “seriedade”; em Economia, define-se como uma política governamental que procura reduzir a despesa pública. 
Todavia, os manuais de Economia também nos dizem que medidas de austeridade devem ser acompanhadas de outras que estimulem o crescimento económico, sob pena de se cair ou, como no caso português se prolongar, o período recessivo. E se o Governo foi lesto a tomar medidas de austeridade, tem sido bem mais brando a estimular a economia… 
O Sr. Primeiro-Ministro recordou-nos o caricato que foi, no ano passado, termos os membros da troika a trabalhar enquanto os portugueses tiveram a tal tolerância, classificando a situação com o termo “comportamentos preguiçosos”; ora, em primeiro lugar, mesmo no ano passado houve muitos portugueses a trabalhar no dia de Carnaval, pelo que o cumprimento das suas obrigações de trabalho não foi um exclusivo dessa equipa; além de que, aposto, poucos ou nenhum terão ganho nesse dia qualquer coisa parecida com o que ganharam os rapazes da troika que, coitados, tiveram de prescindir do Carnaval. Depois, provavelmente não faz parte das tradições dos países do norte da Europa – de onde são originários os técnicos que vieram a Portugal nessa altura – a comemoração do Carnaval, razão pela qual eles não o celebrariam de qualquer das formas; da mesma maneira que, de resto, nós não celebramos o solstício de Verão, que é feriado nacional por exemplo na Suécia. E por fim, diria que caricato é apresentar como salvadora a ideia peregrina de vender pastéis de Nata no mercado externo – algo que se faz há dezenas de anos – e não cumprir algumas tradições que, como o Primeiro-Ministro insiste em não perceber, são parte da identidade de um Povo. 
De resto, o estímulo à Economia tem-se feito essencialmente com este tipo de medidas pífias, como a dos pastéis de nata, os cortes dos períodos de descanso do trabalho ou chamando “piegas” aos portugueses que se queixam das dificuldades dos dias que vivemos. Sendo certo que a austeridade tem sido implementada em clima de relativa paz social, diria que neste particular o primeiro-ministro tem estado, dia após dia, a esticar a corda. E, pelo que já se percebeu, irá tão longe quanto todos o deixarmos ir… 
Se há alguns anos atrás, o nosso ideal eram os países nórdicos, com uma população qualificada, empresas criadoras de valor e condições de vida oferecidas às populações, hoje o nosso ideal parece aproximar-se cada vez mais aos países orientais, onde trabalhar cada vez mais por menos retribuição é a forma de manter a população ocupada, dependente das elites e rendida pela necessidade de assegurar o sustento da família. 
A austeridade está assim a esmagar a capacidade de os portugueses se indignarem; mas este movimento pode funcionar como uma mola, que vai comprimindo mas que a partir de determinado ponto terá de libertar toda a tensão acumulada, num movimento de imprevisíveis consequências. 
Assim, se nos próximos 2 ou 3 meses não forem apresentadas medidas concretas de apoio ao crescimento económico, seremos levados a concluir que temos um Governo ao serviço dos grandes grupos de pressão, que se aproveitam do Estado para realizar negócios em condições leoninas, que todos suportamos, sem que os sacrifícios que os portugueses estão a fazer venham a ter resultados a prazo. 
Já aqui disse que sou da opinião que devemos fazer todos os possíveis por honrar os nossos compromissos com as Entidades que prestaram o auxílio financeiro. Mas isso não pode servir de desculpa para manter o status quo de um restrito grupo de privilegiados, ao passo que o grosso da população vê as suas condições de vida agravarem-se de dia para dia. O aumento de 450% nos incumprimentos de crédito à habitação durante o ano passado são um exemplo desse agravamento e um sinal preocupante. 
Espero pois, que a pressão sobre a mola abrande…"

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