Vou ouvindo, aqui e ali, avisos de quem diz que sabe.
Que a situação pode explodir a qualquer momento. Que isto está como uma panela de pressão, que de um momento para o outro, se não libertar algum vapor, acabará por explodir. Que o povo começa a dar sinais de não aguentar muito mais.
Mas não é isso que vejo. Vejo as pessoas com quem falo resignadas, encolhendo os ombros às injustiças de que se dizem vítimas. Olhando para o lado quando do que se fala é das injustiças de que outros são vítimas, tentando passar incólume. Vejo medo
na forma de encarar as agressões sucessivas a que todos nos vemos sujeitos: carga fiscal elevada, discricionariedade das finanças na tributação, sem qualquer respeito pelos direitos do cidadãos, justiça incapaz de proteger aqueles que mais precisam. Um Estado que é hoje um pesadelo e das malhas do qual tentamos escapar antes que nos sufoque.
Os últimos dias têm-nos mostrado que as pessoas querem realmente uma mudança, sem saberem muito bem que mudança é essa. As eleições na Grécia e na França, salvas as devidas proporções, são exemplo disso mesmo. Vê-se nos resultados que as pessoas querem uma mudança. Não só dos atores, mas das escolhas políticas. E vemos que os
próprios partidos começam a revelar-se incapazes de dar às pessoas aquilo que
elas procuram, aquilo que anseiam. A crise económica estará a conduzir-nos a
uma crise democrática? Talvez. Está pelo menos a levar muita gente a
interrogar-se se a Democracia, tal como a conhecemos, tal como evoluiu, será
capaz de aguentar muitos mais anos…
Como forma de Governação, é sem dúvida o melhor sistema que conheço. A representatividade das pessoas, um homem um voto, é ainda aquela que oferece maiores garantias de defesa aos mais fracos. Mas as organizações que estão na base da Democracia – os Partidos – têm sido geridos quase como domínios feudais. Temos assistido incrédulos às mais inacreditáveis manobras para assaltos ao poder dentro dessas organizações.
E quando os Partidos saem desacreditados, essa imagem transmite-se a todos os que dão a cara por ele, estejam ou não no “mesmo saco”, se me permitem a expressão.
Compreensivelmente, existe hoje um conjunto de pessoas cujos valores começam a ser incompatíveis com a imagem que os Partidos dão de si, o que leva ao seu afastamento.
Perdendo-se assim pessoas que, pela sua forma de estar, muito podem contribuir
para a vida pública, para a renovação dos partidos e para uma mudança decisiva
na imagem que os cidadão têm deles.
Este fenómeno cria um ciclo vicioso que perturba o normal funcionamento da democracia. Enfraquecendo-a.
O meu desejo, nestes tempos de dificuldades, é que aquilo que aflige as pessoas não lhes tolde a visão e as afaste daquilo que é verdadeiramente importante defender: a
dignidade da pessoa humana, acima de todos os interesses. Qualquer que seja a pessoa.
A história ensina-nos que em épocas difíceis, de cisões sociais, grandes grupos foram capazes de defender o indefensável, de praticar o impensável.
Tenho a esperança que todos consigamos reunir a coragem – física, mas essencialmente
intelectual – para resistir aos apelos mais fáceis e populistas e o discernimento de exigir que sejam preservados os valores sobre os quais se funda a nossa sociedade: o respeito pela pessoa, a solidariedade e o contributo de todos para o bem estar geral.
A resposta a estas exigências só pode ser um fortalecimento da Democracia!